11 novembro 2009

O amor não acaba

O amor acaba? O cara disse. Numa esquina, num domingo, depois do teatro e do silêncio, na insônia, nas sorveterias, como se lhe faltasse energia.
Ele não volta? Não deixa rastro ou renasce? Na esquina em que se beijaram uma vez, lá está, na sombra apagada pela luz, na poeira suspensa, na revolta da memória inconformada.
Na solidão, lá vem ele, volta, com lamento, um quase desespero, e penso nos planos perdidos, que vida sem sentido...
Na insônia, o amor cai como uma tonelada de lápide, e se eu tivesse feito diferente, e se eu tivesse sido paciente, e se eu tivesse insistido, suportado, indicado, transformado, reagido, escutado, abraçado?
Na sorveteria, ele volta, o amor, em lembranças. Porque aquele sabor era o preferido dela, aquela cobertura era a preferida dela, aquela sorveteria era a preferida dela, aquela esquina, aquele bairro, aquele clima, aquela lua, aquele mês, aquela temperatura, aquela raça de cachorro, aquele programa de fim de tarde e aquele horário sem planos...
No elevador, quantas saudades daqueles segundos em silêncio, presos na caixa blindada, vigiados por câmeras camufladas, loucos para se agarrarem, rirem, apertarem todos os botões, tirarem a roupa, escreverem ao lado do espelho: “Eu te amo”.
Saudades é amor.
Não se tem saudades do que não se amou.
O amor não acaba, porque tenho saudades, me lembro dela, me preocupo com ela, torço por ela, e se sonho com ela, meu dia está feito.
O amor não pode acabar, porque sem ela ou sem a esperança de revê-la, até a chance de tê-la de volta, não vejo a paz.
Ela é uma trégua na minha guerra pessoal contra a minha paixão por ela.
Amá-la me faz bem. Mesmo que ela não me ame, amo amá-la. Continuei amando desde o dia em que terminou. Passei meses amando como se não tivesse acabado. Ficaria anos amando mesmo se não tivesse voltado. O amor não acaba, muda. O amor não será, é. O amor está. Foi.
Nas tantas músicas que ouvimos, que dançamos colados, trilhas das noites frias em que você sentava em mim nua, enquanto os meus braços imobilizavam os seus.
Amor. O não-amor é o vazio. O antiamor também é amor.
Eu te amava quando você respirava no meu ouvido. Lembra do meu dedo dentro de você? Amo-te, amo-te, amo-te. Instante secreto, sua boca incha, seus olhos apertam, suas unhas me arranham e você diz: Eu te amo!

O amor acabou quando você se foi?
Você sentiu saudades das minhas paredes, das cores das minhas camisas, da umidade da minha boca, do cheirinho do meu travesseiro, da minha torrada com mel, das noites pelados assistindo à tevê, dos vinhos entornados no lençol, do café da manhã com jornal, você sentiu falta de atravessar a avenida comigo de mãos dadas, de correr da chuva, de eu te indicar um livro, do cinema gelado em que vimos o filme sem fim, torcendo para acabar logo e ficarmos a sós, você sentiu falta da minha risada, inconveniência, de eu ser seu amante, noivo, amigo e marido, dos meus olhos te espiando, dos meus dentes mordendo e mastigando, ficou tanto tempo longe e pensou em nós especialmente bêbada ou louca, queria me ligar, me escrever, meu cheiro aparecia de repente, meu vulto estava sempre ali, acaba?
Diz que acaba. Como acaba? Não acaba. Diz, não acaba. Repete. Falei? Não acaba.
Pode virar amor não-correspondido. Pode ser amor com ódio, paixão com amor.
Tem o amor e o nada. Ah, mais uma coisa. Antes que eu me esqueça.
O amor não acaba. Vira. Se acabar, não era amor.
Será?

Marcelo Paiva

11 comentários:

  1. Pamela11/11/09

    Uma crônica assinada por Marcelo Paiva é sempre uma honra.
    Mas esta particularmente, eu não compraria. Bjs.

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  2. Danielle11/11/09

    Não acaba não.
    Afinal de contas, até amor mal resolvido é amor, né?

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  3. Fernanda11/11/09

    Nossa... me apaixonei por você de novo.

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  4. Thiago11/11/09

    Pois é.A despeito dessas palavras que escreveu Marcelo, note como mesmo uma versão resumida para combater a tese de que o amor acaba fica hesitante e desnorteada se comparada à rápida, convicta e certeira tese contrária (não conhecia essa do Mendes Campos, suponho que seja a versão integral).
    Filosoficamente, poderíamos aceitar a questão "será que o amor acaba mesmo?" como aberta, pois na verdade teríamos que esperar que 100% dos amores terminassem para que a tese fosse comprovada "cientificamente", digamos.
    Mas no campo da nossa experiência, sabemos que acaba sim. A gente vê. A gente sente, e também deixa de senti-lo. E ele acaba, em vida ou quando se morre. Isso dá para dizer.
    O resto, para mim, embora pareça bastante bonito, para mim se assemelha mais à dor, ao desespero, ao ressentimento, à revolta, à indignação. Uma certa teimosia, uma certa infantilidade de quem perde algo e chora de raiva, de birra, de impotência, sempre lutando contra a realidade. Romantismo, platonismo, um religiosismo (não é à toa a sua figura). "O" amor em si, esse eu acho que nunca acaba, pelo menos não enquanto existir o gênero humano. Mas "um" amor, sempre acaba, pois mesmo no limite, mesmo que permaneça vivo num coração, um dia morrerá junto com o dono desse coração. Acaba. Mas isso não é ruim - é preciso ser humilde no amor também. E nessas horas, valho-me do que Camus nos diz como epígrafe d'O Mito de Sísifo, citando Píndaro:

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  5. Oiee...11/11/09

    Oiee...
    Oh pobre alma perdida.
    Como podes viver assim?
    Com a sombra do passado à seus pés?
    nesse choro,
    nessa angustia,
    vive a remoer suas dores,
    a relembrar seus amores,
    a chorar pelas flores,
    não creia no fim,
    creia em quem tu és,
    não se lance a esmo,
    e chega de chorar,
    terás ainda uma chance,
    quem sabe um romance
    para provar a ti mesmo
    que pode se encontrar.

    Oh pobre alma perdida,
    estás a contaminar os seus,
    a espalhar sua covardia
    que um dia foi coragem
    que matou a alegria
    nessa cruel ancoragem,
    traga à ti a aragem,
    e que essa calmaria,
    enriqueça suas decisões,
    e que ajude a se encontrar.

    Oh pobre alma perdida,
    ainda tens uma chance,
    ainda tens a oportunidade,
    anda tens as ferramentas do presente,
    que erguerá o sonhar do futuro,
    e derrubará esse muro
    que está a sua frente.

    Oh pobre alma perdida,
    encontre-se ai dentro,
    pare com seus lamentos
    e cesse seu sofrer,
    atrairá sabedoria,
    verás que as luzes não se apagaram,
    foram somente seus olhos
    que se fecharam.

    Adilson Costa

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  6. Andrea11/11/09

    Acabar não acaba, mas se transforma. Ninguém jamais possuirá ninguém e tudo o q a gente pensa em prender, tende a querer fugir.

    Andréa

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  7. Andréa11/11/09

    Caramba, eu li o post do Thiago e emendei com o da Fernanda. Achei que o Thiago quem estava se declarando. Ainda mais quando pediu para não postar rsrsrsrsrsrsrs. Estava achando tão divertido que até imaginei um peludão procurando o Marcelo Paiva na entrada do teatro kkkkk. Apesar de vc ser uma pessoa aberta e livre de preconceitos, SERIA ENGRAÇADO!!!!! O mais hilário foi qdo li o seu comentário kkkkkk. Se não tivesse voltado pra reler, estaria rindo até agora... bjos

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  8. Diamila11/11/09

    Sempre leio, mas hoje eu preciso dizer: que coisa linda.
    Incrível.Amor não acaba mesmo.

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  9. Anônimo11/11/09

    O amor se transforma... em outras formas de amor ou de dor. Sempre foi e sempre será amor. Basta que seu coração esteja preparado para isto. Hoje v. ama a mulher, amanhã poderá amar a amiga ou vice-versa!! E o fruto deste amor estará intrínseco na propagação que você (s) deixou (aram). Só muda a forma... a essência é sempre a mesma.
    Perdoe a simplicidade, mas é como sinto!!

    Liza

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  10. Anônimo11/11/09

    "Às vezes te odeio por quase um segundo, depois te amo mais..."
    A convivência acaba, mas o amor não.Nada impede também que se ame outro, e depois mais outro, após as respectivas convivências terminarem.
    Claudia G

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  11. Thiago11/11/09

    Peludão!?!? Hahaha!
    É, sempre pode seguir por esse caminho também...

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