30 outubro 2012

Nossos medos

Nosso medo mais profundo não é o de sermos inadequados.
Nosso medo mais profundo é o de sermos poderosos além da medida.
É nossa luz, não nossa escuridão, que mais assusta.
Nós nos perguntamos: quem sou eu para ser brilhante, atraente, talentoso, fabuloso?
Na verdade, quem é você para não ser?
Você é uma criança do Espírito.
Você, pretendendo ser pequeno, não serve ao mundo.
Não tem nada de iluminado no ato de se encolher, pois os outros se sentirão
inseguros ao seu redor.

Nascemos para manifestar a glória do Espírito que está dentro de nós.
E a medida que deixamos nossa luz brilhar, damos permissão para os outros fazerem o mesmo.
À medida que libertamos nosso medo, nossa presença libera outros.



Nelson Mandela

29 outubro 2012

Que se passa em mim…?

Que sinto, não estou em mim
Não é assim que quero estar!
Não consigo dormir. Assim não sei controlar
Como poderei dormir Ou caminhar, sem imaginar…?
Sinto-me preso sem correntes, Mesmo sem prisões
Estou impedido de caminhar
Amar viver, Mas que vida ...Que se passa em mim? Porque estou preso…?
Será ao amor!
Ou a sua pessoa
Quando parti
Te deixei somente
Hoje sinto por mim
Aquele amor
Aquela vida do nosso sonho
Do meu viver
De que serve eu sentir saudade
Se preso estou
A promessa de te amar
E de contigo não poder estar
Somente estou contigo nesta poesia
Que enche o meu vazio
E me aquece nas noites solitárias
Desta vida imprópria de se viver
Queria que sentisse o reflexo das minhas vibrações
Quanto em ti penso
De tudo quanto são as melhores sensações
Para entenderes o que se passa verdadeiramente
O que se passa em mim…?


Autor-sonho solitario





23 outubro 2012

Inconfesso Desejo


Queria ter coragem
Para falar deste segredo
Queria poder declarar ao mundo
Este amor
Não me falta vontade
Não me falta desejo
Você é minha vontade
Meu maior desejo
Queria poder gritar
Esta loucura saudável
Que é estar em teus braços
Perdido pelos teus beijos
Sentindo-me louco de desejo
Queria recitar versos
Cantar aos quatros ventos
As palavras que brotam
Você é a inspiração
Minha motivação
Queria falar dos sonhos
Dizer os meus secretos desejos
Que é largar tudo
Para viver com você
Este inconfesso desejo

Carlos Drummond de Andrade

22 outubro 2012

Um beijo



Um minuto o nosso beijo
Um só minuto; no entanto
Nesse minuto de beijo
Quantos segundos de espanto!
Quantas mães e esposas loucas
Pelo drama de um momento
Quantos milhares de bocas
Uivando de sofrimento!
Quantas crianças nascendo
Para morrer em seguida
Quanta carne se rompendo
Quanta morte pela vida!
Quantos adeuses efêmeros
Tornados o último adeus
Quantas tíbias, quantos fêmures
Quanta loucura de Deus!
Que mundo de mal-amadas
Com as esperanças perdidas
Que cardume de afogadas
Que pomar de suicidas!
Que mar de entranhas correndo
De corpos desfalecidos
Que choque de trens horrendo
Quantos mortos e feridos!
Que dízima de doentes
Recebendo a extrema-unção
Quanto sangue derramado
Dentro do meu coração!
Quanto cadáver sozinho
Em mesa de necrotério
Quanta morte sem carinho
Quanto canhenho funéreo!
Que plantel de prisioneiros
Tendo as unhas arrancadas
Quantos beijos derradeiros
Quantos mortos nas estradas!
Que safra de uxoricidas
A bala, a punhal, a mão
Quantas mulheres batidas
Quantos dentes pelo chão!
Que monte de nascituros
Atirados nos baldios
Quantos fetos nos monturos
Quanta placenta nos rios!
Quantos mortos pela frente
Quantos mortos à traição
Quantos mortos de repente
Quantos mortos sem razão!
Quanto câncer sub-reptício
Cujo amanhã será tarde
Quanta tara, quanto vício
Quanto enfarte do miocárdio
Quanto medo, quanto pranto
Quanta paixão, quanto luto!...
Tudo isso pelo encanto
Desse beijo de um minuto:
Desse beijo de um minuto
Mas que cria, em seu transporte
De um minuto, a eternidade
E a vida, de tanta morte.

Vinicius de Moraes




18 outubro 2012

Os dez mandamentos de Osho

Encontrei este texto publicado aqui mesmo alguns anos atras. Vamos relembrar?

Em 1970 perguntaram a Osho pelos seus dez mandamentos. Esta foi sua resposta (considero um bom resumo de suas idéias):
“Você pergunta pelos meus dez mandamentos. Isso é muito difícil, porque eu sou contra qualquer tipo de mandamento. Todavia, só pela brincadeira, eu estabeleço o que se segue:
  1. Não obedeça a ordens, exceto àquelas que venham de dentro.
  2. DEUS é a própria vida.
  3. A verdade está dentro, não a procure em nenhum outro lugar.
  4. O amor é a oração.
  5. O vazio é a porta para a verdade, é o meio, o fim e a realização.
  6. A vida é aqui e agora.
  7. Viva completamente acordado.
  8. Não nade, flutue.
  9. Morra a cada momento para que você possa se renovar a cada momento.
  10. Pare de buscar. O que é, é: pare e veja.”

16 outubro 2012

Chovia....

Naquela tarde, como chovia!
Me lembro de que a chuva caia lá fora sem parar, e seu surdo rumor até parecia um sussurro de quem chora ou uma cantiga de embalar...
Me lembro de que tu chegaste inquieta, ansiosa, mas logo te aconchegaste em meus braços, quietinha... (...enroladinha como uma gatinha...)
E eu quase não sabia que fazer: se de encontro ao meu peito te deixava adormecer... se te mantinha acordada, para seres minha...
Me lembro que chovia, chovia sem parar...
E que a chuva caía a turvar as vidraças anoitecendo o quarto em tons baços...
Me lembro de que te sentia aconchegada em meus braços...
Me lembro de que chovia...
E de que era bom porque chovia, e porque estavas alí, e porque eu te queria...
Sim, me lembro que tudo era bom...
E que a chuva caía, caía, monótona, sem parar, naquele mesmo tom...
Naquela tarde, amor, como chovia!
Agora, quando longe de ti, nem sou mais eu em minha melancolia, não posso mais ouvir a chuva cair que não fique a lembrar tudo que aconteceu naquele dia...
Naquele dia enquanto chovia...



 JG de Araujo Jorge

11 outubro 2012

Soneto


Não chame o meu amor de Idolatria
Nem de Ídolo realce a quem eu amo,
Pois todo o meu cantar a um só se alia,
E de uma só maneira eu o proclamo.
É hoje e sempre o meu amor galante, Inalterável, em grande excelência;
Por isso a minha rima é tão constanteA uma só coisa e exclui a diferença.
'Beleza, Bem, Verdade', eis o que exprimo; 'Beleza, Bem, Verdade', todo o acento;
E em tal mudança está tudo o que primo,
Em um, três temas, de amplo movimento. 'Beleza, Bem, Verdade' sós, outrora;
Num mesmo ser vivem juntos agora.


William Shakespeare

10 outubro 2012

Sentimentos Demais

Vamos ser francos: nosso problema não é sexo. Isso se arranja com facilidade. O que nos exaspera são as relações que estabelecemos a partir do sexo, ou apesar dele. O que nos sufoca é aquilo que se faz antes e depois de transar. A pessoa que fica ali – ou que gostaríamos que ficasse, mas não fica – constitui nosso maior problema, e talvez nossa única solução.
Estar com alguém mais do que ocasionalmente, porém, constitui um desafio insolúvel – tanto quanto um prazer imensurável.
As pessoas têm manias, têm temperamento, têm hábitos que nos incomodam. Elas reclamam de tudo, pateticamente. Elas se enfurecem com tudo, histericamente. Elas têm problemas, opiniões, desejos, amigos. Elas são lindas e nos causam ciúme. Elas são controladoras e nos irritam. Elas podem ser frívolas e indiferentes. Frequentemente mergulham nelas mesmas e nos deixam entregues às apreensões e receios. Às vezes queremos que sumam, morram, pelo-amor-de-deus desapareçam. No outro dia acordamos sem elas e o coração perde duas batidas, de medo.
 Na verdade, sofremos de sentimentos demais. Eles transbordam, excedem, afogam. Seria infinitamente mais simples se fôssemos como os outros. Veja o casal do elevador, o professor de natação e a namorada dele. Obviamente felizes, simples, calmos. Trocam duas palavras e um olhar entre o quinto e o térreo. Gente bem resolvida. É impossível que ela chore de noite por temer que ele não a ame. Evidentemente ele não se isola diante da televisão e tenta aplacar os nervos vendo um filme inútil. Eles certamente nunca se metem em discussões dolorosas. Sabem o que fazer deles mesmos e do seu amor. Eles têm as respostas. As criaturas esquisitas somos eu, você e os nossos parceiros. Eles, os outros, são simples e felizes. Gente bem resolvida.
Os sentimentos são o nosso principal problema, claramente. Estamos encharcados deles. Sentimentos de toda espécie, misturados. Você olha para aquela pessoa que abriu a porta e eles afloram, conturbados. Quanta aflição não esconde um abraço? A gente então conversa, e a confusão reflui. A gente espanta o assombro com a nossa voz e o nosso riso. A trivialidade nos resgata como um bote salva vidas. Nos olhos da mulher que a gente ama há uma praia tranquila onde a gente ancora – até que o mar no interior dela se agite e a paz efêmera se perca. De novo.

Gostaríamos que não fosse assim, claro. Preferiríamos ser gente simples, composta, direta. Em vez de todas as memórias dolorosas que trazemos conosco, paz. Em vez da confusão de planos e aspirações, clareza. Nada de turbulência submersa, nenhuma recordação inconfessável, apenas superfície indevassável e tranquila, como um lago.
 Imagine deslizar a mão pelo corpo macio dela sem que a cabeça esteja tomada por ideias conflitantes. Que genial fazer amor sem que nele se projete, num rosnado, o velho arsenal de ressentimentos que parece ter nascido conosco. O sexo então seria puro, biológico, em vez de uma batalha épica entre o bem e o mal, entre o público e o privado, entre o certo e o errado que nos habitam. E, depois do prazer, enrolar-se cheio de ternura e de angústia agridoce naquela criatura que ofega. Sentir-se pai, filho, irmão, apaixonado, opressor-filho-da-puta, canalha, marido. O que mais?

Os sentimentos não nos largam, indecifráveis. O carro trafega a 40 km por hora, numa alameda ensolarada, e a lembrança de um certo olhar pungente quase nos leva às lágrimas. De onde vem essa emoção? Certamente da música, um samba travesso de Chico Buarque que nos conecta a tudo e a todos, num momentâneo abraço cósmico pós-eleitoral. Somos todos irmãos, ela me ama, a morte mora numa toca no fim da eternidade, tudo é lindo.

Sejamos francos: nosso problema não é sexo, é amor. Encontrá-lo, conquistá-lo, torná-lo parte da nossa vida e, ao final, talvez, detestá-lo. Nosso problema é preservar esse amor em meio à tempestade de trovões dos nossos sentimentos. Cuidar para que o fascínio físico dos primeiros dias não se perca, evitar que a confiança que vem depois não nos cegue de tédio. Nossa tarefa, gigantesca, é fazer com prazer – e com o mínimo de sanidade – as coisas que se fazem antes e depois de trepar. A pessoa que fica ao nosso lado nesse intervalo é nosso maior problema, e talvez a única solução.

Ivan Martins

09 outubro 2012

Proseando

· “Sem advogado não se faz justiça” – essa frase aparece freqüentemente em adesivos colados em carros. Ela não é verdadeira.
Se um advogado acredita que ela é verdadeira, falta-lhe inteligência. Sugiro a substituição da dita frase por “O advogado, se quiser, pode ajudar a fazer justiça. Se não quiser, pode ajudar a fazer injustiça.”
O “fazer justiça” não pertence à profissão do advogado.
Ninguém vira “fazedor de justiça” por ter diploma de advogado. O Lalau que o diga.
A justiça pertence à ordem da ética – que é uma condição espiritual que o indivíduo advogado pode ou não ter. ·
O
s compositores colocam no início das partituras indicações sobre o tempo e o espírito com que devem ser tocadas: Allegro vivace, Largo, Allegretto, Lantgsam und sehnsuchtsvoll, Andante espressivo, Grave, etc.
Acho que os escritores deveriam fazer a mesma coisa com seus textos. As pessoas lêem mal porque não sabem o ritmo e o espírito do texto. Sobre isso falarei mais. ·
 
Estou me roendo de vontade de escrever umas estorinhas cômicas a partir da Bíblia. Por exemplo: Quem diria que Caim matou Abel porque Deus não era vegetariano? E a mula de Balaão que falou hebraico? E o “monte dos prepúcios”? E a praga de hemorróidas que Javé enviou sobre os soldados filisteus que haviam roubado a Arca? E o profeta careca – como eu – Eliseu, que invocou um urso que comeu um bando de meninos que estavam rindo da sua careca? E as duas filhas que embebedaram o pai para transar com ele? E a mulher que virou para trás e se transformou numa estátua de sal? No meio de coisas maravilhosas a Bíblia contém também muito humor. Claro, para quem tem senso de humor... · “O povo unido jamais será vencido”. Afinal de contas, o que é “povo”? “Povo” me parece uma palavra tão vazia quanto Deus. Todo mundo fala “povo”, todo mundo fala “Deus”. Os ditadores falam em nome do povo. Os líderes partidários falam em nome do povo. Mas, o que é o povo? Torcida de futebol? As pessoas vendo o programa do Ratinho? As multidões dançando as missas do Pe. Marcelo?: Os eleitores depositando seus votos?
 
Da minha cadeira vejo os sanhaços azuis comendo os coquinhos da areca-bambu. Ver os sanhaços me faz feliz. Lembro-me de que eles gostam de fazer buracos nos mamões maduros e entrar lá dentro para comer mais confortavelmente...

· Meu filho mais velho, o Sérgio, com a companheira, Ana Marta, fizeram a caminhada a pé até Machupichu (Não sei se é assim que se escreve). Contou dos cenários maravilhosos que iam aparecendo à medida em que subiam. Chegando a um lugar onde deveriam descansar por 40 minutos, ficaram extasiados contemplando os vales e as montanhas. Uma turista americana, entretanto, deitou debaixo de uma árvore e pôs-se a ler o livro. Não estava interessada em ver as belezas que havia no caminho. O seu objetivo era só chegar lá em cima. O livro era mais interessante. Nietzsche fala muito sobre os turistas estúpidos que se esfalfam para chegar ao alto da montanha sem perceber as belezas que existem no caminho.

· Veio-me, faz uns minutos, sem que eu quisesse, uma coisa que estava escrita na porta do laboratório de um colega meu da UNICAMP, se não me engano o Paulo Ana Bobbio: “Havendo Deus colocado limites definidos à nossa inteligência, é profundamente lamentável que ele não tivesse colocado limites também para a nossa ignorância”.

· Florais de Bach: confesso minha ignorância. Nada sei sobre os seus poderes. Mas sei muito sobre os poderes terapêuticos dos “Corais de Bach”. A música tem poderes mágicos. Nietzsche fala sobre isso no seu livro O nascimento da tragédia grega – a partir do espírito da música. A música entra no corpo e o possui. A experiência estética com a música é uma experiência de “possessão”.

· Uma amiga querida que acaba de me visitar me contou da sua experiência com a quimioterapia. O mal-estar terrível, sobre o fundo sombrio da doença. A impossibilidade de comer qualquer coisa, inclusive de beber água. Media a água que bebia com colherinhas, para não vomitar. Quando melhorou e conseguiu beber uns golinhos d’água, experimentou algo que nunca tinha sentido antes: a absurda felicidade de beber água. Vou prestar mais atenção na água, na próxima vez que for beber...

· No seu leito de morte, o velhinho de repente sentiu um desejo: “Minha filha, estou com muita vontade de comer um pastel de carne...” Ao que ela lhe respondeu: “Mas papai, pastel tem colesterol...” Um médico, dirigindo-se a uma velhinha de 90 anos, exames de laboratório perfeitos, exceto um discreto aumento na taxa de glicemia: “A senhora tem de comer menos doces...”

Rubem Alves

08 outubro 2012

O amor e o Outro

Não amo melhor nem pior do que ninguém.
Do meu jeito amo.
Ora esquisito, ora fogoso, às vezes aflito ou ensandecido de gozo.
Já amei até com nojo.
Coisas fabulosas acontecem-me no leito.
Nem sempre de mim dependem, confesso.
O corpo do outro é que é sempre surpreendente.


Affonso Romano de Sant’Anna

05 outubro 2012

Águas Revoltas

Hoje amanheci tirando o pó das gavetas.
Recordei as palavras e bebi daquele seu toque apaixonado que me conquistou, com gosto de licor e a doçura que acalmava a ferida e fazia suscitar o amor.
Limpei todo o pó e de olhos bem fechados mentalizei você nos dias onde te guardo, nos meses que tem se mantido longe.
Nem sempre os gestos são os mesmos, nem sempre os caminhos são iguais.
E disso eu já sabia!
Quando viramos as costas, num gesto sem fim, tudo parecia certo.
Às vezes tenho saudades, das borboletas do 1º encontro que me esvaziavam o estômago, que me arrepiava a pele, do seu jeito de vestir diferente, do sorriso rasgado que me esperava naquela boca inesquecível. Do jeito que as mãos se cruzavam adivinhando o beijo que, meio tolhidos iamos dando.
E assim fomos nos embrulhando na cumplicidade doce que nos devolvia as horas, que ao longo de meses fomos partilhando.
E quando o amargo dos dias sem você chega, vejo que deixamos de lado todo o amor que construimos, mesmo que você tentasse negar que ele, falava mais alto.
Talvez um dia você perceba que as diferenças nos completam, enquanto isso, vou te admirando (tanto quanto te vivo).


Do Blog Amor Absoluto  Mulher (in) Comum

04 outubro 2012

Pensamento

 
O pensamento é triste; o amor, insuficiente;
e eu quero sempre mais do que vem nos milagres.
Deixo que a terra me sustente:guardo o resto para mais tarde.
Deus não fala comigo - e eu sei que me conhece.
A antigos ventos dei as lágrimas que tinha.
A estrela sobe, a estrela desce...- espero a minha própria vinda.
(Navego pela memória sem margens.
Alguém conta a minha história E alguém mata os personagens.
 
 
 
Cecília Meireles

03 outubro 2012

Como... ?
"Amou-me como se ama a luz querida,
Como se ama o silêncio, os sons, os céus,
Qual se amam cores e perfume e vida,
Os pais e a pátria, e a virtude e a Deus!"
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Como se ama o silêncio, a luz, o aroma,
O orvalho numa flor, nos céus a estrela,
No largo mar a sombra de uma vela,
Que lá na extrema do horizonte assoma;
Como se ama o clarão da branca lua,
Da noite na mudez os sons da flauta,
As canções saudosíssimas do nauta,
Quando em mole vaivém a nau flutua,
Como se ama das aves o gemido,
Da noite as sombras e do dia as cores,
Um céu com luzes, um jardim com flores,
Um canto quase em lágrimas sumido;
Como se ama o crepúsculo da aurora,
A mansa viração que o bosque ondeia,
O sussurro da fonte que serpenteia,
Uma imagem risonha e sedutora;
Como se ama o calor e a luz querida,
A harmonia, o frescor, os sons, os céus,
Silêncio, e cores, e perfume, e vida,
Os pais e a pátria e a virtude e a Deus:
Assim eu te amo, assim; mais do que podem
Dizer-to os lábios meus, — mais do que vale
Cantar a voz do trovador cansada:
O que é belo, o que é justo, santo e grande
Amo em ti. — Por tudo quanto sofro,
Por quanto já sofri, por quanto ainda
Me resta de sofrer, por tudo eu te amo.
O que espero, cobiço, almejo, ou temo
De ti, só de ti pende: oh! nunca saibas
Com quanto amor eu te amo, e de que fonte
Tão terna, quanto amarga o vou nutrindo!
Esta oculta paixão, que mal suspeitas,
Que não vês, não supões, nem te eu revelo,
Só pode no silêncio achar consolo,
Na dor aumento, intérprete nas lágrimas.

Gonçalves Dias

02 outubro 2012

O Poço


Cais, às vezes, afundas em teu fosso de silêncio, em teu abismo de orgulhosa cólera,  e mal consegues
 voltar, trazendo restos  do que achaste  pelas profunduras da tua existência.

Meu amor, o que encontras  em teu poço fechado?
 Algas, pântanos, rochas?
 O que vês, de olhos cegos,  rancorosa e ferida?

Não acharás, amor,  no poço em que cais  o que na altura guardo para ti:  um ramo de jasmins todo orvalhado,  um beijo mais profundo que esse abismo.
Não me temas, não caias  de novo em teu rancor.
 Sacode a minha palavra que te veio ferir  e deixa que ela voe pela janela aberta.
 Ela voltará a ferir-me  sem que tu a dirijas,  porque foi carregada com um instante duro  e esse instante será desarmado em meu peito.

Radiosa me sorri  se minha boca fere.
 Não sou um pastor doce  como em contos de fadas,  mas um lenhador que comparte contigo
 terras, vento e espinhos das montanhas.

Dá-me amor, me sorri  e me ajuda a ser bom.
 Não te firas em mim, seria inútil,  não me firas a mim porque te feres.


Pablo Neruda