05 janeiro 2012

Certo e Errado

Existe o certo, o errado e todo o resto...
Certo e errado são convenções que se confirmam com meia dúzia de atitudes.
Certo é ser gentil, respeitar os mais velhos, seguir uma dieta balanceada, dormir oito horas por dia, lembrar-se dos aniversários, trabalhar, estudar, casar-se e ter filhos, certo é morrer bem velho e com o dever cumprido.
Errado é dar calote, rodar de ano, beber demais, fumar, se drogar, não programar um futuro decente, dar saltos sem rede.
Todo mundo de acordo?
Todo mundo teoricamente de acordo, porém a vida não é feita de teorias.
E o resto?
E tudo aquilo que a gente mal consegue verbalizar, de tão intenso?
Desejos, impulsos, fantasias, emoções. Ora, meia dúzia de normas preestabelecidas não dão conta do recado. Impossível enquadrar o que lateja, o que arde, o que grita dentro de nós.
Somos maduros e ao mesmo tempo infantis, por trás do nosso autocontrole há um desespero infernal.
Possuímos uma criatividade insuspeita: inventamos músicas, amores e problemas, e somos curiosos, queremos espiar pelo buraco da fechadura do mundo para descobrir o que não nos contaram.
Todo o resto. O amor é certo, o ódio é errado e o resto é uma montanha de outros sentimentos, uma solidão gigantesca, muita confusão, desassossego, saudades cortantes,
necessidade de afeto e urgências sexuais que não se adaptam às regras do bom comportamento.
Há bilhetes guardados no fundo das gavetas que contariam outra versão da nossa história, caso viessem a público.
Todo o resto é o que nos assombra: as escolhas não feitas, os beijos não dados, as decisões não tomadas, os mandamentos a que não obedecemos, ou a que obedecemos bem demais - a troco de quê fomos tão bonzinhos?
Há o certo, o errado e aquilo que nos dá medo, que nos atrai, que nos sufoca, que nos entorpece.
O 'certo' é ser magro, bonito, rico e educado, o 'errado' é ser gordo, feio, pobre e analfabeto, e o resto nada tem a ver com estes reducionismos: é nossa fome por idéias novas, é nosso rosto que se transforma com o tempo, são nossas cicatrizes de estimação, nossos erros e desilusões. Todo o resto é muito mais vasto. É nossa porra-louquice, nossa ausência de certezas, nossos silêncios inquisidores,
a pureza e a inocência que se mantêm vivas dentro de nós mas que ninguém percebe, só porque crescemos.
A maturidade é um álibi frágil.
Seguimos com uma alma de criança que finge saber direitinho tudo o que deve ser feito, mas que no fundo entende muito pouco sobre as engrenagens do mundo.
Todo o resto é tudo que ninguém aplaude e ninguém vaia, porque ninguém vê.

Martha Medeiros

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