05 julho 2011

O amor

Amor é propriedade. Sexo é posse. Amor é a lei; sexo é invasão.
O amor é uma construção do desejo. Sexo não depende de nosso desejo; nosso desejo é que é tomado por ele. N
inguém se masturba por amor. Ninguém sofre com tesão. Amor e sexo, são como a palavra farmakon em grego: remédio ou veneno - depende da quantidade ingerida.
O sexo vem antes. O amor vem depois. No amor, perdemos a cabeça, deliberadamente.
No sexo, a cabeça nos perde. O amor precisa do pensamento. No sexo, o pensamento atrapalha.
O amor sonha com uma grande redenção. O sexo sonha com proibições; não há fantasias permitidas.
O amor é o desejo de atingir a plenitude. Sexo é a vontade de se satisfazer com a finitude. O amor vive da impossibilidade - nunca é totalmente satisfatório.
O sexo pode ser, dependendo da posição adotada. O amor pode atrapalhar o sexo. Já o contrário não acontece.
Existe amor com sexo, claro, mas nunca gozam juntos. O amor é mais narcisista, mesmo entrega, na ´doação´. Sexo é mais democrático, mesmo vivendo do egoísmo.
Amor é um texto. Sexo é um esporte. Amor não exige a presença do ´outro´.
O sexo, mesmo solitário, precisa de uma ´mãozinha´.
Certos amores nem precisam de parceiro; florescem até na maior solidão e na saudade. Sexo, não - é mais realista.
Nesse sentido, amor é uma busca de ilusão. Sexo é uma bruta vontade de verdade.
O amor vem de dentro, o sexo vem de fora. O amor vem de nós. O sexo vem dos outros.
´O sexo é uma selva de epilépticos´ (N. Rodrigues). O amor inventou a alma, a moral.
O sexo inventou a moral também, mas do lado de fora de sua jaula, onde ele ruge.
O amor tem algo de ridículo, de patético, principalmente nas grandes paixões.
O sexo é mais quieto, como um caubói - quando acaba a valentia, ele vem e come.
Eles dizem: ´Faça amor, não faça a guerra´. Sexo quer guerra.
O ódio mata o amor, mas o ódio pode acender o sexo. Amor é egoísta; sexo é altruísta.
O amor quer superar a morte. No sexo, a morte está ali, nas bocas. O amor fala muito.
O sexo grita, geme, ruge, mas não se explica. O sexo sempre existiu - das cavernas do paraíso até as ´saunas relax for men´.
Por outro lado, o amor foi inventado pelos poetas provençais do século XII e, depois, relançado pelo cinema americano da moral cristã.
Amor é literatura. Sexo é cinema.
Amor é prosa; sexo é poesia. Amor é mulher; sexo é homem - o casamento perfeito é do travesti consigo mesmo.
O amor domado protege a produção; sexo selvagem é uma ameaça ao bom funcionamento do mercado.
Por isso, a única maneira de controlá-lo é programá-lo, como faz a indústria da sacanagem. O mercado programa nossas fantasias.
Não há ´saunas relax´ para o amor, onde o sujeito entre e se apaixone. No entanto, em todo bordel, finge-se um ´amorzinho´ para iniciar.
O amor virou um estímulo para o sexo. O problema do amor é que dura muito, já o sexo dura pouco. Amor busca uma certa ´grandeza´. O sexo é mais embaixo.
O perigo do sexo é que você pode se apaixonar. O perigo do amor é virar amizade.
Com camisinha, há ´sexo seguro´, mas não há camisinha para o amor.
O amor sonha com a pureza. Sexo precisa do pecado. Amor é a lei. Sexo é a transgressão. Amor é o sonho dos solteiros.
Sexo, o sonho dos casados. Amor precisa do medo, do desassossego. Sexo precisa da novidade, da surpresa.
O grande amor só se sente na perda.
O grande sexo sente-se na tomada de poder.
Amor é de direita.
Sexo, de esquerda - ou não, dependendo do momento político.
Atualmente, sexo é de direita. Nos anos 60, era o contrário. Sexo era revolucionário e o amor era careta.


Esta crônica de Arnaldo Jabor inspirou a música de Rita Lee - Amor e Sexo, que muito sucesso fez no começo dos anos 2000.

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