18 fevereiro 2010

Constância do deserto

Em praias de indiferença navega meu coração.
Venho desde a adolescência na mesma navegação.
- Por que mar de tanta ausência, e areias brancas de tão despovoada inconsistência,  de penúria e de aflição?
(Triste saudade que pensa entre resposta e a intenção!)
Números de grande urgência gritam pela exatidão: mas a areia branca e imensa toda é desagregação!
Em praias de indiferença navega meu coração.
Impossível, permanência.
Impossível, direção.
E assim por toda a existência navegar, navegarão os que têm por toda ciência desencanto e devoção.



Cecília Meireles

2 comentários:

  1. Oiee...18/2/10

    Motivo

    Eu canto porque o instante existe
    e a minha vida está completa.
    Não sou alegre nem sou triste:
    sou poeta.

    Irmão das coisas fugidias,
    não sinto gozo nem tormento.
    Atravesso noites e dias
    no vento.

    Se desmorono ou se edifico,
    se permaneço ou me desfaço,
    - não sei, não sei. Não sei se fico
    ou passo.

    Sei que canto. E a canção é tudo.
    Tem sangue eterno a asa ritmada.
    E um dia sei que estarei mudo:
    - mais nada.

    Cecília Meireles

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  2. Oiee...18/2/10

    Tu Tens um Medo

    Acabar.
    Não vês que acabas todo o dia.
    Que morres no amor.
    Na tristeza.
    Na dúvida.
    No desejo.
    Que te renovas todo dia.
    No amor.
    Na tristeza
    Na dúvida.
    No desejo.
    Que és sempre outro.
    Que és sempre o mesmo.
    Que morrerás por idades imensas.
    Até não teres medo de morrer.
    E então serás eterno.
    Não ames como os homens amam.
    Não ames com amor.
    Ama sem amor.
    Ama sem querer.
    Ama sem sentir.
    Ama como se fosses outro.
    Como se fosses amar.
    Sem esperar.
    Tão separado do que ama, em ti,
    Que não te inquiete
    Se o amor leva à felicidade,
    Se leva à morte,
    Se leva a algum destino.
    Se te leva.
    E se vai, ele mesmo...
    Não faças de ti
    Um sonho a realizar.
    Vai.
    Sem caminho marcado.
    Tu és o de todos os caminhos.
    Sê apenas uma presença.
    Invisível presença silenciosa.
    Todas as coisas esperam a luz,
    Sem dizerem que a esperam.
    Sem saberem que existe.
    Todas as coisas esperarão por ti,
    Sem te falarem.
    Sem lhes falares.
    Sê o que renuncia
    Altamente:
    Sem tristeza da tua renúncia!
    Sem orgulho da tua renúncia!
    Abre as tuas mãos sobre o infinito.
    E não deixes ficar de ti
    Nem esse último gesto!
    O que tu viste amargo,
    Doloroso,
    Difícil,
    O que tu viste inútil
    Foi o que viram os teus olhos
    Humanos,
    Esquecidos...
    Enganados...
    No momento da tua renúncia
    Estende sobre a vida
    Os teus olhos
    E tu verás o que vias:
    Mas tu verás melhor...
    ... E tudo que era efêmero
    se desfez.
    E ficaste só tu, que é eterno.

    Cecília Meireles

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