20 janeiro 2010

O casal perfeito

A solidão dos homens tem a medida da solidão de suas mulheres.
Isso eu disse e escrevi - e repito - em dezenas de palestras por este país afora. Aí me pedem para escrever sobre o casal perfeito: bom para quem gosta de desafios.
O casal perfeito seria o que sabe aceitar a solidão inevitável do ser humano, sem se sentir isolado do parceiro - ou sem se isolar dele?

O casal perfeito seria o que entende, aceita, mas não se conforma, com o desgaste de qualquer convívio e qualquer união?
Talvez se possa começar por aí: não correr para o casamento, o namoro, o amante (não importa) imaginando que agora serão solucionados ou suavizados todos os problemas - a chatice da casa dos pais, as amigas ou amigos casando e tendo filhos, a mesmice do emprego, chegar sozinha às festas e sexo difícil e sem afeto.
Não cair nos braços do outro como quem cai na armadilha do “enfim nunca mais só!”, porque aí é que a coisa começa a ferver.
Conviver é enfrentar o pior dos inimigos, o insidioso, o silencioso, o sempre à espreita, o incansável: o tédio, o desencanto, esse inimigo de dois rostos.
Passada a primeira fase de paixão (desculpem, mas ela passa, o que não significa tédio nem fim de tesão), a gente começa a amar de outro jeito.
Ou a amar melhor; ou, aí é que a gente começa a amar.
A querer bem; a apreciar; a respeitar; a valorizar; a mimar; a sentir falta; a conceder espaço; a querer que o outro cresça e não fique grudado na gente.
O cotidiano baixa sobre qualquer relação e qualquer vida, com a poeira do desencanto e do cansaço, do tédio. A conta a pagar, a empregada que não veio, o filho doente, a filha complicada, a mãe com Alzheimer, o pai deprimido ou simplesmente o emprego sem graça e o patrão de mau humor.
E a gente explode e quer matar e morrer, quando cai aquela última gota - pode ser uma trivialíssima gota - e nos damos conta: nada mais é como era no começo.
Nada foi como eu esperava. Não sei se quero continuar assim, mas também não sei o que fazer. Como a gente não desiste fácil, porque afinal somos guerreiros ou nem estaríamos mais aqui, e também porque há os filhos, os compromissos, a casa, a grana e até ainda o afeto, é preciso inventar um jeito de recomeçar, reconstruir.
Na verdade devia-se reconstruir todos os dias. Usar da criatividade numa relação.
O problema é que, quando se fala em criatividade numa relação, a maioria pensa logo em inovações no sexo, mas transar é o resultado, não o meio.
Um amigo disse no aniversário de sua mulher uma das coisas mais belas que ouvi: “Todos os dias de nosso casamento (de uns 40 anos), eu te escolhi de novo como minha mulher”.
Mas primeiro teríamos de nos escolher a nós mesmos diariamente.
 Ao menos de vez em quando sentar na cama ao acordar, pensar: como anda a minha vida? Quero continuar vivendo assim?
Se não quero, o que posso fazer para melhorar?
Quase sempre há coisas a melhorar, e quase sempre podem ser melhoradas. Ainda que seja algo bem simples; ainda que seja mais complicado, como realizar o velho sonho de estudar, de abrir uma loja, de fazer uma viagem, de mudar de profissão.
Nós nos permitimos muito pouco em matéria de felicidade, alegria, realização e sobretudo abertura com o outro.
Velhos casais solitários ou jovens casais solitários dentro de casa são terrivelmente tristes e terrivelmente comuns. É difícil? É difícil. É duro? É duro. Cada dia, levantar e escovar os dentes já é um ato heróico, dizia Hélio Pellegrino.
Viver é um heroísmo, viver bem um amor mais ainda.
O casal perfeito talvez seja aquele que não desiste de correr atrás do sonho de que, apesar dos pesares, a gente, a cada dia, se escolheria novamente, e amém.


Lya Luft

5 comentários:

  1. Aline C.20/1/10

    O difícil nesta busca da vida a dois perfeita é ter a participação e o interesse dos dois.
    As vezes lutamos sozinhas por um homem, fazemos com que seus dias sejam especiais com surpresinhas simples e agradáveis mais... e ele? Te retribui? Não, aceita e agradece, mas não cuida de você como merece.
    Fica difícil manter todo o entusiasmo diante da vida se não tem retorno do que oferece, eu acho que isso sim é a causa de tantos casais infelizes.
    A amargura de um acaba amargando o outro. Muitas vezes já tentei adoçar a minha vida com meu marido, sou casada faz 9 meses, mas ele simplesmente não me transmite nenhum calor, sei que nos gostamos, mais ele não acha importante me agradar com palavras, carinhos, gestos e eu me sinto desmotivada agora, e é isso que está afundando meu casamento.
    Acho que ninguém casa ou decide morar junto para viver uma vida chata e sem emoção, mais o tempo acaba por fazer de grandes amores, verdadeiros inimigos, nem sempre conseguimos ter jogo de cintura para lidar com os problemas

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  2. Marisa Mori20/1/10

    "O CASAL PERFEITO" - LIA LUFT
    Modestamente, deixo aqui minha opinião: Será que existe casal perfeito?
    Com meus 55 anos de idade e inúmeras experiências de vida e observações, acredito que um casal deve viver cada qual suas vidas, não sendo "muleta" um do outro. Há 20 anos, quado me divorciei, um amigo disse: "casal para viver bem tem que caminhar um ao lado do outro e não encostar um no outro".
    Para uma união saudável é preciso antes de tudo `respeito`, é saber falar, ouvir, calar no momento certo! Todos nós temos defeitos e qualidades e é preciso que cada parceiro compreenda, releve, respeite uma atitude que não aprova no outro.
    A TROCA de cumplicidade, de compreensão (na sua dimensão mais ampla), de afeto, são fatores fundamentais para regar a plantinha do amor do CASAL, pois a cada dia somos pessoas diferentes, e a adaptação dessa união é dinâmica; portanto, o amor do "casal perfeito" também. tem que ser dinâmico e adaptável sempre às mudanças, sem esquecer do diálogo que é fundamental!

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  3. Engraçado que, num dado momento de minha vida, eu escrevia textos e trocava com amigos e, quando lia os textos de Lya Luft me deparava com pensamentos muito próximos... na realidade eu só comprava uma revista onde ela tem uma coluna só para ler seus textos a partir de então.
    Lógico que nem tudo é 100% de concordância, pois temos nossas individualidades, mas boa parte do pensamento é afim. Para mim relação saudável é: "O amor real não existe quando duas pessoas estão grudadas, somente poderá ser estabelecido entre duas fortes pessoas que estão seguras de sua individualidade.
    Uma pessoa superficial somente terá relações superficiais. Caso queira um verdadeiro amor, é fundamental desenvolver uma forte auto-identidade em primeiro lugar.
    O amor verdadeiro não está no ato de realizarmos o que a outra deseja que façamos, ou fingirmos ser o que na verdade não somos. O amor ideal é somente criado entre duas pessoas sinceras, maduras e independentes."
    Sabedoria budista

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  4. Renata20/1/10

    Mais do que simplesmente viver bem o amor, é sobreviver no amor como uma flor seca num deserto...Será que um dia a flor será regada? Foram antigas perguntas que agora são sanadas pelo tempo e mostram que nada é mais importante e/ ou maior se amor é de verdade.

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  5. Silvana20/1/10

    Uma pena...mais deveriamos vir com manual...talvez, tudo fosse melhor.

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