25 maio 2012

Ame e dê vexame

Você ama aquela petulante.
Você escreveu dúzias de cartas que ela não respondeu, você deu flores que ela deixou a seco, você levou para conhecer sua mãe e ela foi de blusa transparente.
Você gosta de rock e ela de chorinho, você gosta de praia e ela tem alergia a sol, você abomina o Natal e ela detesta o Ano Novo, nem no ódio vocês combinam.
Então?
Então que ela tem um jeito de sorrir que o deixa imobilizado, o beijo dela é mais viciante do que LSD, você adora brigar com ela e ela adora implicar com você.
Isso tem nome.
Você ama aquele cafajeste.
Ele diz que vai ligar e não liga. Ele veste o primeiro trapo que encontra no armário.
Ele não emplaca uma semana nos empregos, está sempre duro, e é meio galinha.
Ele não tem a menor vocação para príncipe encantado, e ainda assim você não consegue despachá-lo.
Quando a mão dele toca na sua nuca, você derrete feito manteiga.
Por que você ama este cara ?
Não pergunte pra mim.
Você é inteligente. Lê livros, revistas, jornais. Gosta dos filmes de Woody Allen, dos irmãos Coen e do Robert Altman, mas sabe que uma boa comédia romântica também tem o seu valor.
É bonita. Seu cabelo nasceu para ser sacudido num comercial de xampu e seu corpo tem todas as curvas no lugar. Independente, emprego fixo, bom saldo no banco.
Gosta de viajar, de música, tem loucura por computador e seu fettuccine ao pesto é imbatível.
Você tem bom humor, não pega no pé de ninguém e adora sexo.
Com um currículo desses, criatura, por que diabo está sem um amor ?
Ah, o amor, essa raposa.
Quem dera o amor não fosse um sentimento, mas uma equação matemática: eu linda + você inteligente = dois apaixonados.
Não funciona assim.
Ninguém ama outra pessoa pelas qualidades que ela tem, caso contrário os honestos, simpáticos e não-fumantes teriam uma fila de pretendentes batendo à porta.
O amor não é chegado a fazer contas, não obedece à razão. O verdadeiro amor acontece por empatia, por magnetismo, por conjunção estelar.
Costuma ser despertado mais pelas flechas do cupido que por uma ficha limpa.Ninguém ama outra pessoa porque ela é educada, veste-se bem e é fã do Caetano. Isso são só referências.
Ama-se pelo cheiro, pelo mistério, pela paz que o outro lhe dá, ou pelo tormento que provoca.
Ama-se pelo tom de voz, pela maneira que os olhos piscam, pela fragilidade que se revela quando menos se espera.
Amar não requer conhecimento prévio nem consulta ao SPC.
Ama-se justamente pelo que o amor tem de indefinível.
Honestos existem aos milhares, generosos tem às pencas, bons motoristas e bons pais de família, tá assim, ó.
Mas ninguém consegue ser do jeito que o amor da sua vida é.


R. Freire alguns creditam ao A. Jabour. De qualquer forma, grande texto.

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