28 abril 2011

Não Me Sinto Mudar

Não me sinto mudar.
Ontem eu era o mesmo.
O tempo passa lento sobre os meus entusiasmos cada dia mais raros são os meus cepticismos, nunca fui vítima sequer de um pequeno orgasmo mental que derrubasse a canção dos meus dias que rompesse as minhas dúvidas que apagasse o meu nome.
Não mudei. É um pouco mais de melancolia, um pouco de tédio que me deram os homens.
Não mudei. Não mudo. O meu pai está muito velho.
As roseiras florescem, as mulheres partem cada dia há mais meninas para cada conselho para cada cansaço para cada bondade.
Por isso continuo o mesmo.
Nas sepulturas antigas os vermes raivosos desfazem a dor, todos os homens pedem de mais para amanhã eu não peço nada nem um pouco de mundo.
Mas num dia amargo, num dia distante sentirei a raiva de não estender as mãos de não erguer as asas da renovação.
Será talvez um pouco mais de melancolia mas na certeza da crise tardia farei uma primavera para o meu coração.

Pablo Neruda, in ‘Cadernos de Temuco’

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