Com sorte, você atravessa o mundo. Sem sorte não atravessa a rua" (Nelson Rodrigues)
Ontem foi um dia diferente para todos nós. Um dia mais duro. Em que se acorda com a notícia de que um avião sumiu no oceano com 228 pessoas a bordo. Famílias, casais enamorados, oito crianças, um bebê, passageiros mal-humorados, outros de bem com a vida, os que tossem, os que roncam e os que não dormem.
Gente que ia e gente que voltava.
O avião saíra do Rio, ia para Paris, e desapareceu do radar na altura de um de nossos paraísos, o arquipélago Fernando de Noronha. Tempestade em "zona de convergência intertropical", raios, trovões, pane elétrica, nuvens espessas – as chamadas cumulus nimbus – e o sumiço nas águas. Ou no céu.
Uma das hipóteses é que o Airbus A330 da Air France tenha se desintegrado no ar antes de cair no Atlântico.
Meu filho de 22 anos, candidamente, me disse, sentado a meu lado em frente ao computador.
"Mãe, da próxima vez que você viajar, sei lá, olha antes a meteorologia".
Faço muito essa rota, sempre pela Air France. Vivi em Paris como correspondente vários anos.
Eu respondi: filho, quando tem que ser…
Há gente que passa a vida inteira sem viajar de avião por medo. E pode acabar atropelado na calçada.
Vamos morrer todos um dia e, como diz um amigo meu, o psicanalista Luiz Alberto Py, "é mais saudável sentir medo do provável que do possível".
Possível tudo é. Nunca senti medo de voar. Costuma me bater uma calma até estranha quando me sento no avião.
Há dois anos, fiz um vôo de asa-delta, saltando da Pedra da Gávea, com um instrutor. Sobrevoei um vulcão no Chile com um Cessna, em dia de ventania, vendo a lava fumegante. Fiz várias "loucuras", como descer de helicóptero militar numa zona minada em Angola em tempos de guerra, ou andar num carro dirigido pelo inglês Nigel Mansell no circuito de Interlagos com a pista molhada.
Não me lembro de ter sentido medo, apenas adrenalina.
O jornalista costuma ser, sim, um pouco irresponsável com a própria vida. Mas a vive com paixão.
Esses passageiros que iam para Paris não faziam nenhuma loucura.
Como ouvi ontem de um especialista, é mais fácil morrer voltando de táxi para casa do aeroporto, depois de perder o avião por alguma eventualidade. Cerca de 100 mil aviões comerciais decolam por dia no mundo. Este não chegou ao destino.
Entre os 58 brasileiros que embarcaram no Galeão, havia, como em todos os voos, gente nascida em vários estados, de todas as idades, para quem Paris significava trabalho, prazer, volta para casa, ou simples escala de conexão.
A jovem Ana Carolina, de 28 anos, trabalhava em comunidade carente no Rio com crianças e jovens envolvidos com violência armada.
A família gaúcha Chem – cirurgião plástico, psicóloga e filha executiva – ia para a Grécia passar um mês de encantamento.
Havia um oceanógrafo. O maestro que iria reger em Kiev, na Ucrânia.
Uma cantora e dançarina. Professores universitários, engenheiros, executivos.
Um deles, da Vale, ia a Paris receber um prêmio. Um Orleans e Bragança, descendente de dom Pedro II. Um casal em lua de mel – a cerimônia tinha sido no sábado.
Também estavam no voo 447 alguns brasileiros que voltavam para a Europa após visitar as famílias no Brasil. Mais e mais fragmentos de vida vão surgir e nos entristecer esta semana.
A tragédia do Airbus A330 não apenas nos enche de dor.
Ela nos confronta com nossa fragilidade.
Dá medo sim. De sumir, de deixar de existir para quem amamos sem ter tempo de mandar um SMS, e de fechar precocemente a agenda da vida quando ainda há tanto a fazer.
Mesmo os jovens, que se julgam imortais, imunes a quase tudo, sentem um aperto.
Num momento assim, quem brigou faz as pazes.
Quem se lamenta por frivolidades dá um tempo. Há uma celebração interna por estar vivo.
E me invade uma tremenda vontade de continuar aproveitando tudo com intensidade.
Como dizia nosso grande cronista Nelson Rodrigues, "sem paixão não dá nem pra chupar um picolé".
Você é apaixonado pela vida? Ainda tem tempo.
Ruth de Aquino, 54 anos, diretora da revista ÉPOCA.
Alguns dos comentários foram publicados on line pela revista Época
Tenho uma amiga cujo pai é aviador e na casa dela tinha uma regra da qual procuro sempre me lembrar: Se brigar ou, discutir, não durma nem saia de casa antes de fazer as pazes e deixe sempre o outro saber o quanto você gosta dele.
ResponderExcluirClaro que às vezes dá vontade de fazer uma birrinha e quebrar essa regra, mas se todos nós conseguíssemos lembrar a todo instante que a morte é a única certeza que temos nesta vida, talvez passássemos menos tempo envolvidos com coisas não tão importantes como viver plenamente…
Marta
Olá, Ruth (autora do texto) e leitoras/es!
ResponderExcluirUma tragédia como esta nos faz por os pés nos chãos e pensar que a vida tem seu prazo de validade. Quanto tempo não gastamos com birrinhas, manhas e ‘frescurinhas’ (como bem lembrou a Marta), quando a vida tem um sentido maior que tudo isso, não? Aproveito o espaço para registrar rminha solidariedade às famílias num momento tão crítico quanto este!
Alessandro Ezabella
Verdade, Edson!
ResponderExcluirTemos que viver a vida como se não houvesse amanhã.
Porque um dia, a gente não sabe qual, não haverá mesmo.
"A VIDA É UMA SÓ NÃO IMPORTA O QUE VOCÊ POSSA FAZER OU DIZER ELA CONTINUARÁ SENDO VIDA , POR ISSO VIVA A VIDA O MAIS INTENSSAMENTE POSSÍVEL
ResponderExcluirDAISY
Medo todos temos. Medo é saudável. Só não é deixar de fazer as coisas por medo. O medo é importante para a nossa sobrevivencia. Mas, o que seria da vida sem o risco…
ResponderExcluirTambém não me sinto confortável em avião. Mas, adoro viajar… Então, passo por todas aquelas situações ridiculas de mão suada, coração acelerando, boca seca… mas não abro mão de viajar. MUITO e Sempre e possível.
É claro que corro um risco muito maior de morrer atravessando uma rua nesse nosso transito tão louco, mas a maioria dos medos são assim mesmo, não explicáveis.
Nesse momento só podemos ficar solidários aos que ficaram com a dor da saudade.
Tania
Achei também lindo o texto. Triste e intensamente belo. É incrível isso: sentir que tudo tá por um fio. Mas que, ainda bem, a gente não pensa nisso, só em horas como essa. Pois especialmente nesse vôo, estava meu vizinho, o vizinho do 101. Pai de três criancas: o Bruno, a Carolina, a Mariana. Outro dia, ele ensinava ao menino a andar de bicicleta na rua. Uma cena corriqueira, um esforço de todo pai. Talvez seja uma das últimas imagens que o filho vai carregar do pai. Agora é silêncio. O entra e sai no 101 mostra que as coisas mudaram. A família chora perplexa. O pai que trabalhava em casa não está mais. E nós, os vizinhos, não escutamos mais sua voz chamando os meninos. É incrível isso.
ResponderExcluirbjs,
Nilza
Parabéns pelo texto. Há muito tempo não me emocionava lendo algo na internet.
ResponderExcluirDevemos aproveitar cada momento de nossa vida e dar o melhor de nós a cada dia!!!
ResponderExcluirParabéns Edson por nos fazer refletir com esse texto.