14 fevereiro 2011

Amar....

Que pode uma criatura senão, entre criaturas, amar? amar e esquecer, amar e malamar, amar, desamar, amar? sempre, e até de olhos vidrados amar?
Que pode, pergunto, o ser amoroso, sozinho, em rotação universal, senão rodar também, e amar? amar o que o mar traz à praia, o que ele sepulta, e o que,  na brisa marinha, é sal, ou precisão de  amor, ou simples ânsia?
Amar solenemente as palmas do deserto,  o que é entrega ou adoração expectante,  e amar o inóspito, o cru, um vaso sem flor,  um chão de ferro, e o peito inerte,  e a rua vista em sonho,  e uma ave de rapina.
Este o nosso destino: amor sem conta,  distribuído pelas coisas pérfidas ou nulas,  doação ilimitada a uma completa ingratidão, e na  concha vazia do amor a procura medrosa, paciente, de mais e mais amor.
Amar a nossa falta mesma de amor,  e na secura nossa amar a água implícita,  e o beijo tácito, e a sede infinita.



Carlos Drummond de Andrade

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