29 setembro 2009

Falando em Saudades…

Todo mundo fala em saudade, e nós adoramos dizer que saudade é uma palavra que não existe em várias línguas (e realmente,  “ Mi manchi”, “I miss you”, ou “je te manque” estão longe de expressar, exprimir o nosso “tô com saudades”).

Só que a saudade que sentimos têm variações. Existem as saudades boas e as ruins, as nostálgicas resignadas, e as doídas. E só quem já sentiu cada uma delas, sabe diferenciar uma da outra.  Ao falar (escrever) em saudades, lembro de uma música do inesquecível Luiz Gonzaga,  regravada pelo Gilberto Gil, chamada “Qui nem jiló”.
Ela diz assim, em um trechinho:
Se a gente lembra só por lembrar
O amor que a gente um dia perdeu
Saudade inté que assim é bom
Pro cabra se convencer que é feliz sem saber
Pois não sofreu , porém se a gente vive a sonhar
Com alguém que se deseja rever
Saudade, entonce aí é ruim
[...] Saudade assim faz doer e amarga qui nem jiló


Muito legal a letra desta música, daquelas que a gente para pra pensar no que o cara estava falando. Quando fala …"da saudade que a gente “lembra só por lembrar”, Luiz Gonzaga diz que ela é boa, porque não se está sofrendo.
Acredito que não é bem assim. Sim, pois há casos em que não se sofreu mesmo, e há casos em que se sofreu sim senhor, e como! – só que não se está sofrendo mais, e as saudades então nos dão uma nostalgia gostosa. 
Mas só são capazes de enxergar esses detalhes, só têm capacidade de sentir esse tipo de saudade, as pessoas que conseguem não guardar mágoa e rancor: você lembra das coisas boas, dá aquela saudade gostosa, mas ela não dói justamente porque você não pensa (ou não quer) viver aquilo de novo; você sabe que já foi, que faz parte do passado, e que é bom que seja assim (afinal tem tanta coisa pra gente viver…).
Normalmente a gente sente esse tipo de saudade de anos bons da vida, de lugares em que se viveu, de viagens feitas, de pessoas amigas que perdemos o contato, etc (claro que amores passados precisam de uma dose maior de compreensão e desprendimento, mas também rola).
Mas tem o outro lado da moeda, né? Achei na internet um texto interessante, que diz:
A saudade é um bicho. Pode fazer-se dele um animal de companhia ou uma fera imprevisível e de difícil doma. Em qualquer dos casos a trela deve andar sempre curta e firme porque sem saudade os bichos somos nós. E, se nos arranhar, há que lamber rápido para apanhar ainda o sabor da ferida fresca”.
Para usar a comparação utilizada no texto, a saudade domada é a boa, a que foi citada lá em cima. A indômita (ou o outro lado da moeda da saudade “boa”), é  aquela saudade doída, a dor da falta que a pessoa (ou um lugar, ou um grupo de pessoas ou um tempo da sua vida) faz – e no entanto, você sabe que não tem a menor possibilidade de rever aquela pessoa, reviver aquele sentimento ou então reviver aquela época da vida. É doído justamente porque vc ainda não se acostumou com a idéia de que algumas coisas não vão mais se repetir, não vão mais acontecer – só que vc não queria que fosse assim. Saudade doída sempre tem angústia e frustração dentro dela.
Mas ainda não falei da melhor e mais gostosa das saudades, a saudade boa mesmo: aquela com data pra terminar,  aquela que a gente pode matar, aquela que a gente sabe que vai matar.
A diferença entre a saudade “doída” e esta última  é praticamente a diferença entre gula e fome: enquanto a saudade que eu chamei de doída é quase um estado famélico, a saudade que a gente pode matar é aquela vontade de comer um doce no fim de semana, depois de uma semana inteira de regime, sabe? Sorte daqueles que têm o privilégio de senti-la.
Tem também um outro tipo de saudades, que julgo ser  disparado o pior tipo delas: a saudade do que não aconteceu, a saudade do que não foi vivido;  aquilo que o incrivel Manuel Bandeira tão bem definiu como ” A vida inteira que poderia ter sido e não foi”; aquela vida que Fernando Pessoa, angustiado, perguntou um dia : “quem escreverá a história do que poderia ter sido?”.
Ah, essa saudade…não tem tempo no mundo que faça passar…
O segredo está em fazer com que, apesar de doída, ela não infeccione; está em aprender a conviver com ela, e aceitá-la como parte de nós. Está em dar um espaço para ela existir, ao invés de sufocá-la e fazer de conta que ela não existe. Não adianta alguém te dizer “você não deve sentir isso”, porque todo mundo sabe que não deve. Só que fingir que ela não existe não a faz desaparecer certo? Porque afinal de contas, como escreveu Mário Quintana,
Somos donos de nossos atos, mas não donos de nossos sentimentos;
Somos culpados pelo que fazemos, mas não somos culpados pelo que sentimos;
Podemos prometer atos, mas não podemos prometer sentimentos…
Atos sao pássaros engaiolados, sentimentos são passaros em vôo.

Então, melhor deixá-los voar, melhor colocá-los pra fora – porque assim, eles não nos fazem mal. Certo? Pra quem achou esse texto meio sem pé nem cabeça: acho que ele é mesmo sem pé nem cabeça. Mas quem disse que tudo na vida tem que ser milimetricamente racional e ponderado, certo? Gostei tanto do texto da Lady Rasta, que o trouxe nesta tarde de terça-feira, pra que você pudesse também viajar um pouco…
Um tempo atrás, uma matéria na revista Superinteressante, falava sobre as traduções, mencionava (além da eterna dificuldade na tradução da palavra saudade) uma forma que os ingleses inventaram para descrever o sentimento (obviamente, fazendo uma metáfora) :
“Quer saber como os ingleses traduzem a nossa representante na lista?
Pegue nostalgia, desejo intenso, tristeza e afeto, misture tudo, adicione açúcar, sal e uma dose de cachaça, tudo isso enquanto ouve algum samba.”
E ainda dizem que os ingleses são frios. Pois não é que eles pegaram direitinho aquele sentido de “molejo de amor machucado” que toda mulher digna desse nome, segundo Vinicius de Moraes, deveria ter?

Lady Rasta

6 comentários:

  1. Oiee...29/9/09

    Oiee...
    Ah!... eu amei isso...mas gostei demais da conta Professor.
    Dizer o que depois de ler isso... beijos e ...amanhã eu volto.

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  2. Vanessa30/9/09

    Olá Querido amigo!
    Como vai?
    Falar de saudades? Nossa. Eu sinto muita falta da adolescência e da infância que não tive...
    Fui obrigada a crescer extremamente rápido, trabalho desde os 12 anos, não reclamo, não mesmo, mas adoraria poder voltar e viver tudo bem devarzinho!
    Beijos pra ti!
    E parabéns pelo blog

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  3. Vilma30/9/09

    Sauades...saudades...da minha infância.Sabe Edson, eu queria ter uma máquina do tempo para voltar até ela.
    Era tão mimada por meu pai, era protegida me sentia bem ao lado dele.
    Tinha uma sensação de nada nunca me abalaria e que meu pai sempre estaria ao meu lado me dando o suporte necessário para eu fosse sempre feliz.Ahhhh saudades...e se fosse para escrever sobre ela tomaria todo seu espaço...rsrs

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  4. G. A.30/9/09

    Ok sr. Edson, já que o assunto é Saudades...Resolvi falar sobre essa palavra que nem a primeira vista é somente uma simples palavra.Isto porque ao ler a palavra saudade, qualquer pessoa na hoora a relaciona com alguém ou alguma coisa do qual sente muita falta…seja por qualquer motivo.
    Procurei explicações sobre seu significado, existem muitas, existem até muitas maneiras de sentir, se falar, e até chegar na escrita e pronuncia de hoje, passou por vários estágios, vindo de um lugar, passando por outro, escorregando em outro, até chegar nesta forma que é a que nós conhecemos desde que chegamos neste mundo e a forma que traduz um sentimento que muitas vezes chega dói…

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  5. Nilson30/9/09

    POR FALAR EM SAUDADES...

    Vinicius de Morais

    E por falar em saudades, onde anda você
    Onde andam seus olhos que a gente não vê
    Onde anda esse corpo que me deixou morto de tanto prazer!
    E por falar em beleza, onde anda a canção que se ouvia nas noites dos bares de então onde a gente ficava, onde a gente se amava, em total solidão!
    Hoje eu saio na noite vazia, numa boemia sem razão de ser na rotina dos bares, que apesar dos pesares me trazem você
    E por falar em paixão, em razão de viver você bem que podia me aparecer, nestes mesmos lugares, nas noites, aos bares, onde anda você!
    Nilson, rsrs...baseado no Vinicius de moraes

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  6. Telma30/9/09

    Eu hoje tive um pesadelo e levantei atento, a tempo
    Eu acordei com medo e procurei no escuro
    Alguém com seu carinho e lembrei de um tempo
    Porque o passado me traz uma lembrança
    Do tempo que eu era criança
    E o medo era motivo de choro
    Desculpa pra um abraço ou um consolo
    Hoje eu acordei com medo mas não chorei
    Nem reclamei abrigo
    Do escuro eu via um infinito sem presente
    Passado ou futuro
    Senti um abraço forte, já não era medo
    Era uma coisa sua que ficou em mim, que não tem fim
    De repente a gente vê que perdeu
    Ou está perdendo alguma coisa
    Morna e ingênua
    Que vai ficando no caminho
    Que é escuro e frio mas também bonito
    Porque é iluminado
    Pela beleza do que aconteceu
    Há minutos atrás

    Ney Matogrosso
    Composição: Cazuza / Frejat

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